Há alguns anos atrás, Lovecraft (1890 – 1937), um dos principais pilares da literatura de horror disse: “O medo é o sentimento mais antigo da humanidade. Em especial o medo do desconhecido”. Mesmo que eu tivesse “bagagem” o suficiente para contradize-lo, não o faria. Na minha opinião é uma afirmação das mais acertadas. E se me fosse permitido fazer uma pequena análise, diria que logo após o tal medo do desconhecido, em segundo lugar na lista, viria a curiosidade.
O medo nos gera curiosidade que por sua vez nos leva, por incrível que pareça, ao prazer. Excitação. Nos faz querer mais.
Nesse momento alguém possivelmente pode estar se perguntando: Mas como assim excitamento e curiosidade? Se eu sei que tem um assassino escondido na minha cozinha a primeira coisa que faço é trancar a porta e ligar para a polícia.
Perfeito! Essa é exatamente a reação esperada frente a medos ditos conhecidos. Fuga, proteção, auto-preservação. Em alguns casos até mesmo fúria e asco. Mas sempre é um movimento no sentido contrário à fonte do medo. E isso acorre em todos os casos nos medos conhecidos, os considerados medos de coisas reais. Assassinos, assaltos, guerras, bandidos, animais ferozes. Todos nós sabemos claramente o nos aconteceria na presença de qualquer um desses listados aqui.
Mas imaginem agora outro cenário: Essa mesma pessoa que ligaria para a polícia no exemplo anterior escuta um barulho de vibração magnética entrecortado com estalidos e movimentos de ar vindo da cozinha. Imediatamente o cérebro dessa pessoa procura associações daquele som com qualquer coisa que ela conheça. O insucesso lhe provoca medo. Essa pessoa não faz a menor ideia do que seja, mas está assustada com aquele som estranho vindo da cozinha. Com certeza não é o barulho que um bandido faz quando invade uma casa, nem de um leopardo feroz atrás de uma presa, nem de um assassino se esgueirando, nem os prelúdios de uma guerra, nem qualquer coisa que ela tenha escutado ou visto semelhança em toda a sua vida.
Qual é a reação dessa pessoa? Fugir? Trancar a porta? Ligar para alguém?
Pouco provável!
Quase certo que essa pessoa vá, pé ante pé, se tremendo inteira, até a cozinha ver o que é. A adrenalina quase vazando pelos ouvidos, o coração palpitando rápido, membros formigando, num estado de semi-delírio, tonta e com a vista embaçada. Mas a curiosidade é muito mais forte e a impulsiona na direção da fonte do seu pavor. Essa pessoa não faz ideia do que vai encontrar. E então ela chega na cozinha, mal conseguindo se manter em pé de tanto tremer, e olha para dentro do cômodo.
Imaginemos que essa pessoa viu, ao entrar na cozinha, que o barulho que ela escutou era apenas o rádio que esqueceu ligado fora de sintonia. Alguns rádios em vez de soarem rschh quando fora de sintonia fazem ohmm. Ou ainda poderia ser o ar da ventania lá de fora se espremendo para passar por uma pequena fresta na janela, assobiando pelo pequeno orifício causando algo semelhante a um apito grave.
As possibilidades são infinitas. Pode ser qualquer coisa. Mas em qualquer delas, quando constatamos não ser nada, a reação é a mesma: Alívio. Uma sensação maravilhosa, quase um orgasmo. O medo é substituído por gozo e tudo acaba naquele exato instante.
O medo que sentimos ao ver um filme, ler um livro ou um conto, uma música, ver fotografias, pinturas, escutar barulhos estranhos vindo da cozinha ou qualquer que seja a representação, ele tem prazo de validade. A noção que temos que ele vai acabar assim que você der pause, virar a página, trocar a faixa do disco, ou ir até a cozinha averiguar nos faz sentir uma segurança prazerosa. Faz com que nos sintamos confortáveis pois temos controle das doses de medo que vamos sentir, e quando o medo acaba é gostoso.
Imaginem então agora que a pessoa foi até a cozinha e chegando lá não era o radio nem a janela. Ela entra na cozinha e o barulho simplesmente para e depois que seus olhos fazem uma varredura no cômodo, ela constata que não era nada.
Mas como pode ser nada? Ou ela enlouqueceu ou é alguma coisa que ela não sabe explicar. O desconhecido em sua forma mais latente. É um misto de alívio com medo. Alívio porque não era nada, aparentemente. E medo TAMBEM porque não era nada. Seu cérebro já fez infinitas pesquisas nos seu “banco de dados” e ainda assim não encontrou explicação para aquilo. Ainda resta uma nesga de dúvida: Tem certezaabsoluta que não era nada? Poderia ser alguma coisa? Mas o que?
Esse é o grande ponto, o momento mais fascinante, é a sensação mais curiosa e interessante a se sentir. Não é nada, mas ainda assim é alguma coisa. Nos faz sentir medo. Mas é um medo gostoso porque, mesmo não sendo nada, todas as fugas que aplicamos aos medos causados pelas artes, você pode aplicar aqui. Pode se forçar a acreditar que você imaginou aquele barulho. Que foi um barulho vindo da rua. Pode inclusive parar de pensar naquilo. Por não ter gerado nenhum perigo real imediato, é facilmente esquecido. Isso também é reconfortante. Tão reconfortante quando ter o poder de mudar de canal caso o filme esteja muito assustador.
A equação é simples:
1. Um estímulo chegou ao seu cérebro e você conseguiu correlacionar com alguma coisa conhecida (e notadamente ruim como bandidos, incêndios, animais) a reação é a fuga e auto-proteção.
2. Um estímulo chegou ao seu cérebro mas você não conseguiu correlacionar com nada, é algo desconhecido, a curiosidade te leva até ele.
Quando você é impulsionado até ele, existem 2 opções:
A. Ir até a origem do estímulo, identifica-lo e transformar o medo desconhecido em conhecido (vento, rádio fora de sintonia, etc). Nesse caso o medo se acaba.
B. Ir até a origem do estímulo e não conseguir entender sua origem e o medo desconhecido continua desconhecido.
Com exceção o item 1 dessa equação, qualquer caminho tomado a partir do item 2, o A ou o B, mexem com a tríade medo X curiosidade X prazer.
E o mais interessante a se pesquisar é o 2, caminho B. Quando o desconhecido permanece inexplicado. Quando chegamos na cozinha para averiguar o barulho e não encontramos nada.
O ponto em que sentimos medo e não sabemos determinar o motivo, que o nada é alguma coisa, esse é um momento em que estamos muito vulneráveis. Se você escuta o barulho a cozinha e não consegue identificar e isso te assusta, mas então uma outra pessoa te diz “Ahh, já sei que barulho é esse!” você vai prestar toda a atenção a essa pessoa, e depositar nela toda a sua esperança de explicação para transformar o medo desconhecido em conhecido e, dessa forma, fazer com que ele desapareça.
Nesse ponto as religiões se apropriaram desse papel, atribuindo essas “coisas desconhecidas” às divindades, deuses, demônios, espíritos, anjos, criaturas, monstros. Não estou colocando em cheque nem dizendo que as religiões são infundadas. Estou dizendo que, lá nos primórdios da humanidade, atribuímos tudo que não entendíamos às divindades. Quando não entendíamos alguma coisa logo dizíamos que era coisa dos deuses ou dos demônios. Chuva, fogo, raio, sonhos, etc.
Não é necessário se aprofundar muito nesse assunto para perceber que todos as teorias mágicas, cabalísticas, alquímicas, teosóficas, satânicas e todos os procedimentos de relação entre a vida e a morte partiram desse ponto. Não entendemos portanto atribuímos a alguma entidade mística superior, seja ela boa ou ruim. E essa atribuição transforma o desconhecido em algo conhecido, uma obra de deus ou do diabo. Portanto, o medo passa a ser controlável e ficamos novamente só com o prazer.
O medo do desconhecido é prazeroso. As áreas do cérebro ativadas são muito similares às ativadas em um orgasmo. Os sintomas são parecidos. As reações corpóreas são similares. Estar de frente com algo desconhecido instiga o nosso interesse, ativa nossa curiosidade. Matar a curiosidade também é prazeroso. Portanto aceito a hipótese de que quando o medo não é nem nos traz associações com perigos reais, ele só pode nos dar prazer.