Metempsicose – Walter Poliseno
Metempsicose
Walter Poliseno
Os últimos golpes de picareta ressoaram no silencio do vale. Havia, em todos nós, uma estranha trepidação, porque chegara, finalmente, o momento esperado, havia meses: a porta de mármore do túmulo do Faraó estava aberta.
Voltei-me, durante um momento, a contemplar o vale dourado pelo sol que descia para o ocaso. Ao longe, divisava-se o magnífico templo branco de Der-Al-Barhi, com suas colunatas, que pareciam imitar o estilo dórico. O templo, cortado na rocha calcária do vale de Tebas; e, coroado por uma gigantesca cadeia de rochedos, assemelhava-se a um anfiteatro, aberto sobre o deserto. O vento soprava através do desfiladeiro do vale, num murmúrio misterioso. O deserto imenso, de um lado, e a maciça barreira de rochedos, do outro, faziam com que nos sentíssemos mesquinhos e perdidos, intimidados pela sua grandeza. Não passávamos de minúsculos pontos no deserto e o próprio templo milenar, visto a distância e no conjunto do quadro, parecia pequeníssimo.
O baque de uma pedra, que se despenhou, acordo num devaneio. A vista e o pensamento voltaram-se para o túmulo de Néfer, cuja abertura negra, na areia dourada, parecia prestes a engolir-nos.
Quer entrar primeiro? – perguntou-me o professor?— Não seria melhor deixar tudo para amanhã? Agora já é tarde.
Clarence mordeu os lábios, com um estranho sorriso.?— Se assim quer, assim seja. Mas, tenho pressa de regressar ao Cairo. Há um mês que estamos neste vale sombrio e silencioso… Podíamos dar-lhe, ao menos, uma olhada.?— Como queira – disse eu, precedendo-o, aborrecido, por ter lido uma nota de ironia no seu olhar. Clarence pensava, provavelmente, que eu tivesse medo e que, como já acontecera a tantos outros, as superstições e as velhas histórias que circundam, com um ar de mistério e terror, as pesquisas arqueológicas no vale do Nilo, me houvessem impressionado também. Descemos por uma estreita passagem, até uma câmara de paredes inclinadas, que se encontravam no alto, para formar o teto. Daí, abriam-se dois corredores, que conduziam, evidentemente, a duas salas, em que estavam dois sarcófagos.
— Vou explorar esta passagem – disse Clarence, enveredando por aquela que ficava à nossa direita, fazendo sinais aos outros que o seguissem.?— Seria incomodo para o Senhor, explorar esse outro corredor? – perguntou-me, a seguir.?Não lhe dei resposta, e entrei pelo corredor à esquerda, com paredes de pedra coberta de hieróglifos. Cheguei a uma saleta, e a luz da minha lâmpada destacou um baixo relevo de pedra calcária, que continha algumas passagens do Livro dos Mortos. Ao. longo das paredes, havia místilas e sobre elas estavam dispostos os objetos mais variados: figurinhas de madeira esculpidas, pintadas com cores vivas, porta-perfumes de alabastro, jarras azuis, em forma de flores de lótus, vasos de Cánapo, recipientes de alabastro para cosméticos. Num ângulo, havia um cofre baixo, com entalhes de majólica azul, marfim e ébano. Nele estavam gargantilhas, amuletos, braceletes e anéis, leques de ouro e ébano, espelhos, mancais de bronze e cobre.
Compreendi que havia penetrado no túmulo de uma jovem egípcia, talvez filha de Néfer. Aproximei-me do sarcófago coroado por Bah, a ave-alma, em forma de falcão, com semblante humano, e por uma estátua, de pedra preta, de Anúbis, o deus do mundo subterrâneo. Sobre a tampa, estava esculpido e pintado em cores muito vivas, com raro poder de expressão, o retrato de uma moça. Na imobilidade misteriosa da pedra, ela parecia fitar-me, de modo estranho. Seus olhos, negros e profundos, e os lábios, numa atitude de impenetrável sorriso, davam-lhe uma aparência de vitalidade que me impressionou Amun-Eti, filha de Néfer II… contemplei o seu simulacro, absorto, como se ela estivesse viva. Era maravilhosamente bela… mas isso não bastava para explicar aquilo que eu sentia. Havia, nos seus olhos, no seu rosto, na sua expressão, qualquer coisa que suscitava misteriosas harmonias na minha alma, e senti como se aquela criatura, que vivera milhares de anos antes de mim, estivesse junto do meu espírito, fosse parte de mim mesmo, mais do que qualquer outra pessoa viva…
Seguiram-se para mim dias de estranha perturbação e abatimento moral. O pequeno rosto, encantador e misterioso, do sarcófago, atormentava-me, perseguia-me. Via aqueles olhos em todos os cantos; onde quer que pousasse a vista, descobria aquele sorriso doce e impenetrável.?Estávamos catalogando as peças descobertas no túmulo: trabalho de semanas. Mas aquele trabalho, que sempre me havia apaixonado, até então, encontrava-me, agora, ausente, cansado, abúlico. Tinha guardado para mim, antes que outros entrassem na sala de Amun-Eti, um belíssimo colar de lápis-lazúli, que fazia parte de seu enxoval funerário. Queria àquele objeto como a um penhor de amor. Todas as vezes que podia, sem dar nas vistas, quase escondido de mim mesmo, corria a contemplar a figura do sarcõfago, viva na imperecível vivacidade das côres egípcias.
Que é que me acontecia? Estaria para cair doente? Iria ficar louco? Às vezes, pensava naqueles que admiram a Gioconda de Leonardo, em Paris, e dela se enamoram, exaltados. Mas, eu, sempre fora homem prático e atido à realidade, espírito científico, antípoda de semelhantes exaltações românticas.
E então?… Amun-Eti!?Contemplando aquele vulto, procurando penetrar o mistério daquele olhar, o segredo daquela vida, sentia subir em mim uma incomparável paz espiritual. Mas, tinha que lutar, subtrair-me àquela fascinação secreta, antes que meus nervos, por demais tensos, me pregassem qualquer partida perigosa.
Certamente, tudo isso era efeito da solidão e da estranha atmosfera, encantada e quase mórbida, do Vale dos Túmulos dos Reis.
Dei-me pressa em fazer embalar o sarcófago de Amun-Eti, prometendo a mim mesmo não mais pôr-lhe a vista em cima. Mas, estava inquieto, nervoso… E, quando partimos para o Cairo, eu já sabia que não me esqueceria de Amun-Eti, não seria capaz de subtrair- me ao desejo de tornar a vê-la, nem jamais me separaria do colar de lápis-lazúli, símbolo daquela estranha aventura.
O sarcófago, com seu enxoval funerário, ocupou uma pequena sala do Museu do Cairo. O diretor insistiu para que eu dirigisse o arrolamento da sala, mas recusei, alegando um pretexto. Queria evitar tomar a vê-la, lutar contra aquele sentimento impossível, a que não sabia que nome dar, mas que me dominava inteiramente o espírito.
A sala foi aberta ao público e uma semana mais tarde fui lá.?— O louco vai ter medo das sombras – dizia eu para mim mesmo. Aqui, numa grande cidade como o Cairo, e coisa ficaria reduzida a suas justas proporções; verificaria que tudo quanto se passara fora efeito dos nervos e da atmosfera do deserto. Riria de mim mesmo.
O sarcófago estava exposto dentro de um armário de cristal. Alguns visitantes contemplavam a beleza das figuras esculpidas e das cores resplandecentes. A presença deles, sem motivo algum, irritava-me como se fossem intrusos. Esperei ficar, para aproximar-me. Sentia o coração bater apressado, por mais que dissesse a mim mesmo que era um idiota e um sonhador. Fiquei longo tempo a contemplar Amun-Eti. E, de repente, estremeci. Colheu-me uma sensação de vertigem. Fechei os olhos. Agora, sim, devia ter enlouquecido. Porque, refletido no cristal do armário, tinha visto o rosto de Amun-Et! animar- se e sorrir. Voltei-me, instintivamente, e mal pude reter um grito de pasmo. Perto de mim, estava a encarnação viva de Amun-Eti, não um fantasma, mas a cópia viva e palpitante da figura do sarcófago.
A moça olhou para mim e sorriu-me. Era muito jovem. Tinha olhos pretos, com longos cílios. A sua pele era vagamente de uma cor azeitonada. O sangue egípcio revelava-se-lhe nos lábios carnudos e nos zigomas, ligeiramente proeminentes, que davam a seu rosto um acentuado caráter oriental. Trazia um pequeno turbante, de um azul pálido, não diferente do penteado da mesma Amun-Eti. O seu vestido de crepe, cor de canela, desenhava-lhe as formas esbeltas, bem torneadas, revelando as curvas sensuais do corpo moço, que encarnava as linhas ideais do velho Oriente. Afastei-me, embaraçado.
— Desculpe-me – disse. – Fiquei a contemplá-la como um louco. Sinto-me verdadeiramente mortificado.
— Compreendo o seu espanto. Pareço-me tanto assim?… Ou melhor: pareço-me realmente com ela?
Concordei, e ela continuou:?— Vim, picada pela curiosidade, pois me disseram justamente… – deteve-se, incerta.
Pareceu-me que compreendeu, então, que estava falando a um desconhecido.?— Sou o professor Dyman… Henrique Dyman – disse eu, apresentando-me. – O acaso quis que fosse eu o primeiro a penetrar no sepulcro de Amun-Eti. Ela estendeu-me a mão.
— Chamo-me Henet Scott… Então o senhor fazia parte da missão arqueológica de Tebas?
Começamos a conversar, mas eu não conseguira tirar os olhos do seu rosto. Amun-Eti tinha-se reencarnado. O milagre de Pigmalião repetira-se. Parecia-me que aquela mulher houvesse sido criada, naquele momento, pelo meu íntimo desejo, que vivesse somente para mim, emanação e animação dos meus sentimentos. Soube que seu pai era inglês, falecido havia muitos anos, mas sua mãe era egípcia: uma senhora copta, de nobre ascendência, cuja família se gabava de pertencer aos últimos faraõs Saites e que, embora cristã, havia conservado o culto tradicional das antigas divindades locais.
— Amun-Eti seria, em definitivo, uma de suas ante- passadas, não é verdade? — Se a genealogia, a que minha mãe liga tanta importância, for exata…
Olhou para o sarcófago, enquanto lhe aflorava aos lábios um leve sorriso. Eu vacilei, dominado por um súbito frémito de terror surpersticioso, pois, naquele momento, ela possuía a idêntica complicada expressão do retrato de Amun-Eti…
— Amun-Eti deixa-me curiosa – disse ela, depois.?Foi um acaso realmente feliz que eu tenha encontrado justamente o senhor, Professor Dyman. Desejava saber algo mais a seu respeito… tudo quanto possa dizer-me.?— Ficarei muito contente em aceder a seu desejo.?— Quer vir tomar chá conosco? Minha mãe ficará muito contente em conhecê-lo. Tudo quanto diga respeito ao antigo Egito provoca o seu mais apaixonado interesse.?Foi assim que comecei a freqüentar a casa dos Scotts. Desde aquela manhã, sabia o que em mim sucedera, mas não me entristecia por isso. . . O meu sentimento transpusera-se da fantástica Amun-Eti para Henet. Agora, porém, não havia inquietação, incerteza ou aborrecimento, no meu coração. Eu amava uma mulher muito bela, inteligente, culta, refinada: gozava do seu sorriso, da sua companhia, do seu pensamento. E fugira àquele incubo estranho, àquela obsessão que talvez se viesse a converter em loucura.
Entretanto, o British Museum estava organizando outra missão, ao Vale dos Túmulos dos Reis, e fui convidado a dirigi-la. Era uma proposta tentadora. Mas, teria que renunciar a ver Henet, durante vários meses. . .
Naquela noite, fui convidado a jantar em casa dos Scotts. Henet notou imediatamente que alguma coisa me preocupava. Depois do jantar, saímos juntos para o jardim, onde havia uma fonte de mármore verde, semi-oculta entre os canteiros de plantas tropicais.
Há alguma coisa que o perturba, professor Dyman. Que é? – perguntou, com sua voz quente.
— Fui convidado pelo British Museuni para dirigir as escavações no Vale de Tebas – respondi.
Henet hesitou um instante.
É uma grande oportunidade que se lhe oferece disse, destacando as palavras. – Está contente?
Peguei-lhe na mão.?— Teria ficado contente há um mês, antes de conhecê-la. .. mas, como poderei aceitar ir remexer a poeira do passado e as sombras da morte, quando, aqui, junto de si, encontrei a vida?
Ela voltou para mim, interrogativamente, aqueles seus grandes olhos, semelhantes a gemas luminosas, na alvura de seu rosto que, repentinamente, se tornara pálido. Alguns dias antes, fizera-lhe eu presente do colar de lápis-lazúli de Amun-Eti. E, naquela noite, ela trazia-o. As pedras azuis, betadas de ouro, brilhavam como se fossem mágicos fogos aprisionados.
— Se o senhor se explicasse melhor… eu… murmurou.
— Amo você. já a amava, antes de encontrá-la! Antes de conhecê-la, já estava loucamente apaixonado. Agora, sonho apenas em viver a seu lado, amá-la, torná-la feliz…
Ela continuou a fitar-me e, durante um momento, calou-se. O cicio da água da fonte causou-me uma estranha impressão. Os lábios da moça tremiam ligeiramente.
Estreitei-a nos meus braços e beijei-a.?— Henet, Henet! Você é o amor da minha vida. Eu ficaria louco, se pensasse que você não existisse e eu tivesse nascido, tarde demais, para conhecê-la! Quer casar comigo, Henet?
Um mês depois, parti para o Vale dos Reis, como chefe da Missão Arqueológica. Henet tomara-se minha mulher, e acompanhava-me.
Aquele período permanecerá na minha memória como o tempo mais feliz da minha vida, de uma felicidade estática, sem limites. Além de seu apaixonado amor, Henet oferecia-me a sua preciosa colaboração e revelou-se uma companheira utilíssima, no delicado trabalho da Missão, sobretudo pelo conhecimento da língua egípcia e dos caracteres hieroglíficos das diversas dinastias. Eu amava-a com um amor que, por vezes, me espantava por sua violência, como se pudesse amar uma criatura perdida nos séculos, na noite dos tempos, que, finalmente, se encontrou e se receia perder.
A não ser os componentes da Missão, estávamos sós no Vale dos Reis, sós no deserto imenso, entre os restos de uma civilização milenária, que nós próprios estávamos trazendo a lume. Às vezes, parecia-me viver num estranho encantamento, sair da realidade do tempo e estar junto de Amun-Efi, preso a ela por um amor que houvesse desafiado os séculos.
Cada dia se me relevava um aspecto novo da complexa personalidade de Henet; a sua cultura, a sua força de caráter, e sobretudo, a sua ardente e apaixonada vitalidade. A sua ânsia de viver era febril e revelava-se em todo o seu comportamento e quase em cada uma de suas palavras. Às vezes, desconcertava-me não descobrir os seus pensamentos e os segredos da sua alma. Uma vez, ouvi-a, num momento de intimidade e euforia, à vista da gigantesca estátua de Ammon-Ra, entre as ruínas do templo de Der-Al-Bahri, desafiar a morte para atingi-la. Não era uma brincadeira, mas sim uma desconcertante manifestação de quanto de oriental havia no seu espírito.
— Ficarei sempre consigo… estarei sempre a seu lado, enquanto você tiver vida – disse- me, depois. – A morte não terá poder sobre mim, porque o amo demais.
— Não fale dessas coisas absurdas, querida.
— Mas eu penso assim… E penso que não poderei morrer, enquanto nos amarmos assim. Sabe o que é a morte? É a fraqueza de vontade de quem não tem força de viver. O homem cede inteiramente à morte, unicamente pela fraqueza da sua vontade. Eu sorri:
— Teoria tipicamente faraônica.?— Não. Foi um escritor seu patricio quem o disse: Glanvill.
Uma vez, quando regressava das escavações, encontrei Henet que brincava com o seu colar de lápis-lazúli.
Estava estendida numa cadeira, com fundo de tela. A expressão abstrata, ausente, do seu rosto, impressionou-me. Assim como me impressionara sempre a predileção que manifestava por aquele colar, se bem que possuísse outros mais belos e mais preciosos. Sentei-me, em silencio, a seu lado.
— Quero dizer-lhe uma coisa curiosa, Meryt… disse ela, em certo momento, chamando- me Meryt, que, em egípcio, quer dizer amado, dileto, – quando você me deu este colar, tive a impressão de havê-lo já possuído, de conhecê-lo em cada veio das suas pedras. É uma impressão bizarra, hipnótica, que se agita no meu espírito e faz surgir imagens que não me atrevo a definir, como fragmentos de um sonho sobre o qual a gente tenta fixar a atenção, mas que se esvai.
Apertei os lábios com ceticismo, e ela continuou:?— Lá lhe sucedeu andar por um lugar onde nunca e achá-lo estranhamente familiar, como se a ele esteve estivesse ligado uma parte desconhecida da sua vida??— Uma vez ou duas… mas, deixei de acreditar em certas histórias, quando completei sete anos…?Fingi rir à sua custa, mas fitava-a preocupado, pois me parecia realmente conturbada.
Não devia esquecer que ela era metade egípcia, tinha sempre vivido no Egito e não podia subtrair-se inteiramente ao peso de crenças e superstições milenares.
— A atmosfera deste lugar começa a fazer-lhe mal observei. – Ficaria muito mais sossegado se você voltasse ao Cairo, Henet.
— Não. nunca mais o deixarei. Nunca mais.?Mas, ao contrário, deixou-me…?A Missão devia ultimar os seus trabalhos durante o mês de julho, pois, naquela época, começa a inundação do Nilo. As chuvas, porém, começaram a cair, antes do tempo previsto, com inaudita violência. Devíamos notificar dali e dirigir-nos imediatamente para Keneh, o centro mais próximo, onde passa a grande estrada de ferro que, costeanck)o Nilo, atravessa o deserto arábico, até ao Cairo e Alexandria.
Todos os homens da Missão trabalhavam febrilmente, na preparação do comboio. Sabíamos que um grave perigo nos ameaçava, pois Keneh estava sobre a outra margem do Nilo e não poderíamos chegar até lá, se as águas houvessem ultrapassado as eclusas de Del-AI-Bahri.
Quando os quatro jeeps se puseram em movimento, todo o Vale dos Reis estava convertido num lago cinzento, sobre o qual se acumulavam nuvens muito baixas, entre as quais os relâmpagos ziguezagueavam, de improviso. A água escorria dos bancos dos jeeps, dos vidros, dos cofres. As rodas giravam em falso, enterrando-se na lama. Foi preciso que todos os homens os empurrassem, durante muito tempo, a muito custo.
Henet estava no carro da frente do comboio. Com dificuldade, consegui colocar-me a seu lado. O vento soprava violento, cortando a respiração, e a água tolhia a vista, invadindo tudo. Em certo momento, tive a impressão de encontrar-me no meio de uma paisagem irreal, apocalíptica, debaixo d’água. Do maciço montanhoso, precipitavam-se torrentes, formando cascatas, arrastando pedras, cascalhos, detritos de toda a espécie. O céu tornava-se cada vez mais escuro, embora fosse ainda pleno dia. Cada vez mais freqüentes, os relâmpagos lívidos fuzilavam, por entre as nuvens, iluminando o deserto revolto e os rochedos, dom uma luz sinistra. Eu olhava, com apreensão, para a água que escorria, em catadupas, da montanha para – o Vale. Tínhamos que andar depressa, depressa…
Atingimos a grande ponte de Lameth, lançada sobre o Vale do Der-Ai-Bahri. Por baixo de nós, abria-se um abismo que, em certos pontos, ultrapassava mais de cem metros. Agora, a água corria impetuosa, investindo contra os pilares e fazendo tremer toda a ossatura da ponte. Os carros caminhavam com cautela, enfrentando um vento de: violência extrema. . . Estávamos quase chegando à saída da ponte, quando ouvi um fragor sinistro, e me pareceu que toda a montanha se precipitava em cima de nós. Das alturas, massa enorme de água, de pedras, de troncos de árvores, descia sobre a ponte, com um ruído estranho, ensurdecedor. Um dos lados do carro foi atirado violentamente de encontro ao parapeito, com um fragor de ferragens e vidros quebrados. Por um instante, pareceu que o automóvel fosse alçar vôo: ficou suspenso, com as rodas anteriores no vácuo, capotou e rolou pela escarpa. Eu havia sido atirado fora. A chuva não deixava ver nada, o vento uivava a meus ouvidos. Nas mãos, eu segurava qualquer coisa, que contemplava, atônito: era o colar de Henet que, instintivamente, tinha agarrado, no instante da desgraça, e se havia despedaçado. Os outros carros haviam parado, Os homens da Missão gritavam, agitavam-se. Alguém começava a subir pela escarpa. “Henet!”, gritei, com voz rouca. Aproximei-me dos destroços. Henet estava ali, imóvel, os olhos fechados, o rosto branco, sob um véu de lama. Apoderou-se de mim um terror desesperado, enquanto tentava levantá-la. “Heneti Heneti” – gritava eu.
O seu rosto contraiu-se num espasmo. Abriu os olhos, onde já pairavam as sombras… – Harry… Meryt. . . – murmurou – Não o deixarei, não posso deixá-lo, Meryt.
Tentou abraçar-me, e eu apertei-a desesperadamente.?— Henet, meu anjo!… minha pequenina…?— Eu voltarei… voltarei a você. Espete-me, Harry Havemos de encontrar-nos ainda.
O trágico fim de Henet deixou-me estupefato. Nos meses que se seguiram, invadiu-me uma espécie de torpor interno e foi como se me houvesse tornado incapaz de sofrer, fechado e indiferente a tudo que me rodeava. Depois, a pouco e pouco, voltei à realidade, ao encontrar-me num universo novo, esquálido, estranho. Decidi sair do Egito.
Não me era possível permanecer onde cada pedra me recordava Henet, o amor perdido. Por isso, voltei à Inglaterra, deixando ao tempo a missão de sanar-me as feridas do espírito… E assim aconteceu, de fato; de tal modo que, quatro anos depois da tragédia da ponte de Lameth, casei-me com uma senhorita da nobreza provinciana inglesa, Miss Laura Doyle, filha de um baronet, do condado de Sussex.
Não estava propriamente enamorado de Laura; não ais capaz de amar, naquele frio despertar, que se seguira ao sonho maravilhoso que tinha vivido. Mas sentira-me, insensivelmente, atraído para ela, pela sua afetuosa simplicidade, pela sua doce personalidade, confortadora e repousante. Não podia compará-la a Henet. Agora, ao pensar nisso, posso dizer que uma e outra eram duas antípodas, física e espiritualmente. Henet era uma ardente beleza oriental; Laura, tipicamente anglo-saxônia, de olhos azuis luminosos, num rosto um pouco exangue às manifestações mais secretas do seu espírito.
A nossa vida transcorria tranqüila, sem ardor de paixão, fundada apenas na sólida base de uma reciproca estima, em nossa moradia de campo, entre os prados e as colinas do Sussex. Penso que Laura havia adivinhado que houvera um drama terrível em minha vida, embora eu jamais lhe houvesse falado, nem ela me tivesse feito qualquer pergunta a tal respeito. E. às vezes, seus olhos velavam-se de melancolia… Talvez fosse a intuição de não conseguir fazer-me esquecer e tornar-me feliz.
Mas, eu estava convicto de ter esquecido… Tanto era verdade que, mal me chegou às mãos uma carta do British Museum, com a proposta de voltar ao Vale dos Umulos dos Reis, falei nisso, ligeiramente, a Laura.
Seus olhos acenderam-se de entusiasmo.?— Vai ser maravilhoso!… Eu o acompanharei, naturalmente. — Mas, eu não tenho intenção de voltar mais lá.
A desilusão estampou-se em seu rosto, e eu tornei, persuasivo:?— Veja, querida, a África e o deserto não são semelhantes às nossas campinas do Sussex.?— Seria tão romântico!?— O deserto é romântico somente no cinema e nos cartões postais ilustrados. Aqui, no Sussex, temos tudo quanto…?— Eu não quero ficar decrépita, entre as comodidades do Sussex.?— Mas, acredite no que lhe digo, Laura. É a sua moldura natural. Na África, você se sentiria como um peixe fora d água.?Era isso. Eu exprimira a essência do meu modo de pensar, a respeito de Laura. Os tépidos prados de esmeralda, a caça à raposa, o campo de golfe – isso era o ambiente natural de Laura, assim como um deserto de fogo, as solidões misteriosas, as ruínas milenárias do antigo Egito eram a moldura de Henet. Eu não conseguia imaginar Laura montando um camelo, sob um sol a pino ou entre as ruínas das sepulturas. Ela, porém, tanto insistiu que acabei aceitando o encargo do British Museum.
Nesse ponto, não tive motivos para mudar de decisão. Enquanto fazíamos nossos preparativos, Laura apareceu-me sob uma nova luz, alegre como jamais fora, impaciente por conhecer aquele mundo longínquo, diferente, através do qual esperava talvez conhecer uma parte importante da minha existência, dos meus pensamentos, da minha vida espiritual.
Poucos dias antes da partida, ocorreu um incidente que me perturbou. Entrava eu em casa, e Laura veio ao meu encontro, alegre, sorridente. Trazia no pescoço c, colar de lápis- lazúli, que fora de Amun-Eti e, depois, de Henet. Experimentei um mal-estar indefinível, quase uma obscura sensação de terror. Laura riu-se da minha surpresa.
— Mau! Tinha escondido este belo colar; não quis fazer-me presente dele. — Eu tinha a certeza de que não estava mais comigo… Onde o encontrou?
— Numa velha roupa colonial. Com o fecho quebrado.?A terrível cena da ponte de Lameth sulcou-me o espírito como o fulgor de um relâmpago. Uma sensação de vertigem apoderou-se de mim e fechei os olhos: pareceu-me afundar num abismo. —Harry!… Merytl… Eu voltarei a você. Encontrar-nos-emos ainda!” Tomei a ouvir a trágica invocação, no fragor da tempestade.
— Que tem você? -. perguntou Laura, admirada. Desconfiou do colar. – Não quer que eu…
Fiz sinal que não.?— É um velho colar egípcio. Pertencia a uma… princesa, morta muito jovem. Não gosto de vê-la tocar esse colar, porque dizem que traz desgraça, como se possuísse um poder maléfico.
Laura olhou fixamente para mim, e depois riu. — Se é só por isso, desafio todas as maldições.
Algumas semanas mais tarde, estávamos no Cairo. Mas, depois de haver encontrado novamente o colar, eu não me sentia muito seguro de ter feito bem em regressar ao Egito. O passado voltava ao assalto, como que em ondas constantes que ameaçassem tragar-me. Antes de partir do Cairo para o Vale de Tebas, Laura quis visitar o museu arqueológico. Assim, contra minha vontade, quase atraído por uma força misteriosa e fatal, encontrei-me em frente da arca de cristal de Amun-Eti. Aproximei-me, sem sentir, como num estado de hipnose e, em dado momento, experimentei uma sensação vertiginosa de extravio. Amun- Eti estava diante de mim, no esplendor policromo do sarcófago, remota, arcana, maravilhosamente bela. Henet fitava-me, através dos olhos de pedra da princesa. Senti-me envolto numa nuvem pesada, que me sufocava. Nela, somente os olhos eram vivos, aqueles olhos escuros e misteriosos, que eu tanto tinha amado.
— Harry… Meryt. . – Eu voltarei a você. Encontrar-nos-emos ainda! tinha dito Henet. – Agarrei-me à balaustrada e senti um arranco dentro de mim. Henet, meu grande amor, não voltaria nunca mais. No passado, no presente, no futuro, em nenhum lugar do universo, jamais poderia encontrá-la novamente.
A voz de Laura chamou-me à realidade.?— É maravilhosamente belo! Tem qualquer coisa de moderno e fascinante… Mas, Harry! Sente-se mal! – exclamou logo, notando minha perturbação.?— Não é nada. Apenas um breve delíquio… Vamo-nos embora daqui.
Iniciamos imediatamente os trabalhos no Vale. Tornou-se evidente, desde logo, que a nossa Missão seria mais afortunada, com a descoberta de documentos de importância.
Fiquei assim absorvido pelas minhas pesquisas e tive pouco tempo para ocupar-me de Laura – Eu percebia que ela era estranha e longínqua àquele mundo, mas não se mostrava, embora fosse certo, menos entusiasta do que quando havíamos partido. Arrependi-me de deixá-la demasiado tempo sozinha e, um dia, quis levá-la a Keneh, o mais próximo centro habitado, na margem do Nilo. Atravessávamos a ponte de Lameth: era a primeira vez que por ali passava, após tantos anos. Ao centro da ponte, o carro parou, sem razão aparente, e eu desci, resmungando, para dar um golpe de vista ao motor. Estava inclinado sobre a caixa, quando ouvi um grito: “Harry”. Era Laura. Desceu do automóvel e correu aos meus braços. Estava mortalmente pálida.
O corpo inteiro tremia-lhe, Procurei acalmá-los, sem ela recobrou-se, a pouco e pouco, mas não consegui compreender o que a tinha perturbado tão violentamente.
Experimentei de súbito uma sensação de angústia, o pressentimento ou a percepção de uma coisa atroz. Aflorou-me ao rosto qualquer coisa fria, como a asa da morte.
Escutei, inquieto, o que ela dizia; depois, pus o carro em movimento. Ela agarrou-se a meu braço, tremendo.
— Não! Pára!?Parei.?Então, que há??Peço-lhe, voltemos para trás. Quero voltar para trás. Para trás! Sua ansiedade era febril.
— Desculpe, querido! Não sei que tenho! Voltemos?Embora, no dia seguinte, Laura tivesse aparentemente quase esquecido aquele estranho episódio, cuja culpa atribuía aos seus nervos, não tornou a ser a mesma. Às vezes, parecia absorta, como que escutando alguma misteriosa mensagem a seu ouvido. Outras vezes, a sua linguagem tinha lapsos bizarros, que eu não sabia explicar: no meio de uma conversa, escapavam-lhe algumas palavras que Lauta não podia ter pensado; como se, por um instante fugaz, houvesse deixado de ser a mesma. Assaltou-me uma sensação de pânico. Que é que acontecia? . Estava quase decidido a perder tudo e voltar para a Inglaterra. Mas, como justificar tal decisão a mim mesmo? Sentia-me inquieto, sem saber por quê. Uma noite, acordei tom a impressão de que Laura houvesse murmurado alguma coisa, no sono. Acendi o candeeiro de petróleo e inclinei-me sobre ela, tocando-lhe, quase, a boca com a minha. Percebi efetivamente um murmúrio indistinto, em que me pareceu perceber uma palavra. Uma sensação de gelo apoderou-se de mim e senti os cabelos eriçarem-se-me na cabeça. “Meryt… Meryt, murmurava Laura! Eu devia ter-me enganado. Não era uma alucinação, pois Laura, em estado de vigília, não conhecia uma única palavra de egípcio antigo ou moderno. Invadiu-me um terror obscuro e incoercivel, que me regelou. Naquele momento, Laura acordou, em sobressalto. Olhou para mim, com um olhar espantado, e pareceu não me reconhecer. Depois, um relâmpago de compreensão acendeu-se nas suas pupilas, abandonou-se nos meus ombros e desatou a chorar, sacudida de soluços histéricos. Sonhara, mas não conseguia recordar-se de nada, a não ser da sensação de terror que a dominava.
No dia seguinte, Laura voltou, sozinha, à ponte de Lameth. Fui à sua procura, pois não a enc6ntrara em nossa barraca. Levava-me uma vaga intuição.
Ela estava absorta na contemplação do abismo dos rochedos, as mãos contraídas no parapeito, arquejante. Tive que chamar por ela várias vezes, antes que desse assustado. Um pensamento horrível, uma daquelas idéias horripilantes, que não ouso confessar, com receio de passar por doido varrido, começava a aflorar-me no espírito.
— Por que é que veio aqui, Laura? – perguntei.?Hesitou um pouco, antes de responder, depois disse: Para verificar o que foi que me espantou, outro dia. Por mim… Eu começava a ficar Que é que foi? – insisti, ansioso.
— Não sei. Há qualquer coisa, nesta ponte. . . qualquer coisa à espera… de mim.
— Não compreendo. Agora, voltemos. Quer??Ela segurou-se a meu braço e olhou para mim, no fundo dos olhos.
— Harry. . . tenho medo de enlouquecer – disse, em voz baixa e incolor, que me fez estremecer. – Às vezes, penso que não sou eu, parece-me conhecer coisas que ignoro… Mas não sou capaz de analisar aquilo que sinto. É como se uma força estranha tentasse arrebatar-me a mim mesma… Olhe, jamais poderei explicar! …
No dia seguinte, escrevi à diretoria do British Museum, pedindo minha substituição. Mas, a catástrofe ocorreu justamente naquele dia, mesmo antes que eu pudesse supor. . .
Era noite alta, e eu estava trabalhando, a catalogar as peças arqueológicas que havíamos encontrado. Em dado momento, ouvi um cicio, como de alguém que viesse de fora. Fiquei a escutar. Tudo estava em silencio. Só de um ponto muito afastado chegava o uivo de um animal noturno. Um grito monótono, incessante, perseguidor, como que o chamado implacável de uma obsessão. Não fiquei tranquilo, e fui ver o que Laura estivesse fazendo. Mas, não a encontrei em nossa barraca!
Procurei por todo o campo, numa inquietação crescente e esmagadora. Não estava…
Recordei-me novamente da ponte de Lameth e um presságio de desgraça atravessou- me a alma, como um relâmpago ofuscante. Resolvi logo tudo, com uma pressa febril. Chamei um chofer do pessoal egípcio. Pusemos um jeep em movimento e corremos, na noite escura. Quem sabe se conseguiria alcançá-la antes que…
Sim, ela estava sobre a ponte. A luz deslumbrante dos faróis destacou-a nitidamente e eu soltei um brado, que se juntou ao seu grito mortal. Pois Laura galgara o parapeito da ponte e precipitara-se no vácuo.
O jeep, que eu mandara voltar ao campo, regressou com socorros de urgência, passada meia hora. Em lentos passos, Laura foi transportada até à barraca: um silencioso cortejo de lúgubres sombras, no deserto iluminado fantasticamente pelas tochas elétricas. O doutor Carson, médico da Missão, excedeu-se imediatamente em cuidados. Laura havia perdido os sentidos. Tinha o rosto ensangüentado, a respiração apressada e curta. O médico abanou a cabeça: * seu vulto, à luz dos candeeiros de querosene, parecia extremamente pálido, espectral.
— É grave? – perguntei, em voz baixa.?Ele fez que sim, e compreendi que Laura estava perdida.
— Fratura da base do crânio – murmurou. Deixei-me cair num escabelo. O médico estava fazendo tudo quanto estava em seu poder e eu fitava-o, espantado, sem seguir-lhe os movimentos, atormentado pela interrogação: Por que teria ela feito isso? Qual foi a força que a impelira a precipitar-se no abismo?
Via-me na impossibilidade de compreender, com a inteligência e com os sentidos, aquilo que acontecera, ligado ao terror supersticioso das coisas desconhecidas e incognoscíveis… Como se algo a houvesse atraído, como se um destino tremendo tivesse de cumprir-se.
Já a palidez da morte começava a espalhar-se pelo seu semblante. Tudo era silente no campo, como se tudo houvesse parado, à espera que a tragédia se cumprisse. Eu estava só com ela e via que a vida lhe fugia, através da respiração ansiosa, enquanto, entre nós, se erguia um muro invisível, que já nos separava: por tras desse muro, tra- vava-se a última luta entre a vida e a morte. Em certo momento, o rosto exangue de Laura coloriu-se levemente de encarnado. Vi-a agitar-se, como num supremo es- forço. Depois, dir-se-ia que as forças da destruição tives- sem levado a melhor. . . Mas não estava tudo acabado, ainda: uma alma queria viver num corpo que estava con- denado a morrer. Certamente, perdi então o controle da minha faculdade de inibição, pois a cena que se seguiu, na sua alucinante irrealidade, não podia ser verdadeira, não podia ser senão o fruto de uma fantástica obsessão. . . Foi seguramente uma alucinação… Laura mexeu-se, e eu ajoe]hei- me a seu lado, beijando-lhe as mãos. Ela abriu os olhos.
— Minha Laura – disse, soluçando. Então estre- meci e senti-me viver num incubo. Qualquer coisa se regelou dentro de mim, ao contemplar aqueles olhos. Porque eu conhecia aquele olhar, conhecia aquela expressão enigmática. E aquele não era o olhar de Laura! “Shewa-n em debat… Nefra-n entot hena-Y” ouvi que ela sussurrava.
Experimentei, então, uma sensação indefinível, semelhante àquela que teria sofrido com o desabar fulminante do mundo que me circundava. Aqueles dizeres eram egípcio antigo, língua inteiramente desconhecida de Laura. Os lábios da moribunda haviam dito: “Seremos felizes, com você junto de mim”.
— Henet, Henet! – gritei, num paroxismo de terror e de exaltação, impossível de exprimir. Mas, subitamente, a respiração arquejante cessou e foi como se em todo o universo, naquele momento em completo silencio, tudo ficasse imóvel ao redor do grande mistério.