Nos países quentes. O sol queima de verdade, deixando as pessoas intensamente morenas, cor de mogno. Nos países mais quentes de todos, elas são estorricadas até ficarem negras, mas não era tão quente assim neste país aonde chegara um homem culto, vindo do frio Norte. Esperava andar por lá do jeito que fazia na sua terra, mas logo descobriu que isso era um engano. Ele e outras almas sensíveis tiveram que permanecer abrigados. As persianas ficavam corridas, e as portas, fechadas o dia inteiro. Parecia que todos estavam dormindo ou longe de casa. A rua estreita de casas altas onde ele morava era de tal modo situada que, da manhã à noite, o sol batia — insuportavelmente!
Para esse jovem e brilhante erudito do frio Norte, era como se estivesse sentado num forno em brasa. Exauriu-se a ponto de ficar magérrimo, e até sua sombra encolheu, ficou muito menor do que era em sua terra. Somente à noite, depois que o sol se punha, o homem e sua sombra começavam a se recuperar.
Ver isso era realmente uma alegria. Assim que a vela era trazida para dentro do quarto, a sombra tinha que se esticar para retomar sua força. Esticava-se até a parede — isso mesmo — e até ao longo do teto, de tanto que encompridava. Para se esticar, o erudito ia para a sacada. Logo que as estrelas apareciam no céu esplendidamente claro, sentia como se voltasse à vida.
Nos países quentes toda janela tem uma sacada e, em todas as sacadas rua acima e rua abaixo, as pessoas saem para respirar o ar fresco de que necessitam, mesmo quando já se é moreno-mogno. Tanto acima quanto abaixo, as coisas ficavam animadas. Alfaiates, sapateiros — todo mundo — saíam para a rua. Cadeiras e mesas eram levadas para fora, e velas eram acesas; sim, velas aos milhares. Um homem falava, outro cantava, tinha gente que passeava, carruagens passavam e burros iam a trote, dim-dom-dim, pois seus arreios tinham sinos. Havia sinos de igreja tocando, hinos sendo cantados, e cortejos fúnebres seguindo. Havia garotos na rua disparando rojões. Ah, havia, sim, a maior animação naquela rua.
Apenas uma das casas era silenciosa — a que ficava diretamente em frente de onde morava o estrangeiro erudito. Mas alguém morava lá, pois as flores na sacada brotavam e vicejavam sob aquele sol quente, o que não seria possível se elas não fossem regadas. Então, alguém as devia estar regando, e devia ter gente na casa. Tarde da noite, de fato, a porta do outro lado da rua se abriu. Mas estava escuro lá dentro, ao menos na sala da frente. De algum ponto da casa, lá atrás, vinha som de música. O estrangeiro erudito achou a música maravilhosa, mas era bem possível que só estivesse imaginando isso, pois lá nos países quentes ele achava que tudo era maravilhoso — exceto o sol. O senhorio do estrangeiro disse não saber quem alugara a casa do outro lado da rua. Ninguém nunca era visto lá e, quanto à música, achava-a extremamente cansativa. Disse:
— É como se alguém sentasse ali, treinando uma peça que não consegue dominar, sempre a mesmíssima peça. “Vou tocar direito, agora”, provavelmente diz, mas não consegue, por mais que tente.
Uma noite o estrangeiro acordou. Dormira e a janela que dava para a sacada ficara aberta; quando a brisa afastou a cortina para o lado, teve a impressão de que uma auréola maravilhosa emanava da sacada do outro lado da rua. As cores de todas as flores eram brilhantes como chamas. No meio delas estava uma donzela, esbelta e graciosa. Parecia que a auréola emanava dela também. Chegou a ferir seus olhos, mas isso foi por tê-los aberto demais, ao acordar de repente.
Com um pulo, estava fora da cama. Sem fazer barulho, olhou para fora através das cortinas, mas a donzela se fora. As flores não brilhavam mais, embora vicejassem frescas e lindas como sempre. A porta estava entreaberta e através dela chegou uma música tão deliciosa e suave que dava para se sentir romântico. Era como mágica. Mas quem morava lá? Que entrada usavam? Em frente à rua, no andar térreo da casa, havia uma fileira de lojas, e não era possível ficar passando através delas o tempo todo.
Numa outra noite, o estrangeiro sentou na sacada. A vela ardia no aposento atrás dele; então, naturalmente, sua sombra se projetava na parede do outro lado da rua. Sentou-se entre as flores e, quando o estrangeiro se mexia, ela se mexia também.
“Acho que, de vivo, só tem minha sombra para se ver lá”, pensou o erudito. “Como fica à vontade entre as flores. A porta permanece entreaberta e, se minha sombra fosse esperta, iria entrar, dar uma olhada e voltar para me dizer o que tinha visto.”
— É — disse de brincadeira —, seja útil. Por favor, vá até lá dentro. Não vai, não? — Balançou a cabeça para a sombra e a sombra balançou a cabeça de volta. — Vá agora, mas não deixe de voltar.
O estrangeiro se levantou e a sombra do outro lado da rua se levantou com ele. O estrangeiro se virou, e a sombra se virou também. Se alguém estivesse observando de perto, veria que a sombra entrou pela porta semi-aberta da sacada da casa em frente, no mesmo instante em que o estrangeiro voltava para o quarto e a cortina caía atrás de si.
De manhã, quando o erudito saiu para tomar café e ler os jornais, disse ao sair para o sol:
— O que é isso? Estou sem sombra! Então ela realmente foi embora na noite passada e não voltou. Que chato, isso!
O que o chateava mais não era tanto a perda da sombra, mas saber que já havia uma história sobre um homem sem sombra. Todas as pessoas em sua terra conheciam essa história. Se voltasse e contasse a elas sua história, diriam que ele estava apenas copiando a antiga. Ele não se importava em ser considerado pouco original; portanto, decidiu não dizer nada a respeito, que era o mais sensato a fazer.
Nessa noite, ele saiu novamente para a sacada. Colocara a vela diretamente atrás de si, porque sabia que sombra sempre gosta de usar seu dono como tela, mas não conseguiu persuadi-la. Abaixou-se bem, depois se levantou até o alto, mas não havia sombra. Ela não aparecia. Tentou chamar a atenção pigarreando e fazendo psiu, mas de nada valeu.
Era exasperante. Mas nos países quentes tudo cresce mais rápido e, ao fim de uma semana mais ou menos, notou com grande satisfação, quando o sol bateu, que uma nova sombra estava crescendo a seus pés. E que a raiz, com certeza, permanecera. A nova sombra cresceu bem rápido; ao fim de três semanas, tinha uma sombra bem apresentável e, quando ele partiu de volta para o Norte, ela cresceu cada vez mais, até ficar tão grande que metade já seria suficiente.
O homem letrado, chegando a sua terra, escreveu livros sobre aquilo que, no mundo, é verdadeiro, é bom e é belo.
Dias e anos se passaram; muitos e muitos anos, na verdade. Então, certa noite em que estava sentado no quarto, ouviu baterem de leve a porta.
— Entre! — disse ele. Mas ninguém entrou. Abriu a porta e deu com um homem tão magro que lhe causou uma sensação estranha. No entanto, o homem estava impecavelmente vestido, parecendo uma pessoa distinta.
— Com quem tenho a honra de falar? — perguntou o erudito.
— Ah — disse o distinto visitante —, achei que não ia me reconhecer, agora que tornei de carne e osso meu corpo e visto roupas. Acho que você nunca esperou me ver em tão boas condições. Não reconhece sua antiga sombra? Deve ter achado que eu nunca voltaria. As coisas andaram às mil maravilhas comigo desde a última vez em que estive com você. Prosperei em todos os sentidos, e se eu tiver que comprar minha liberdade, posso. — Chocalhou um monte de berloques de valor que pendiam de seu relógio e apontou a corrente de ouro maciço que usava em torno do pescoço. Ah!, como seus dedos fulguravam com anéis de diamante — e todas essas jóias eram verdadeiras.
— Não, não consigo botar isso na cabeça! — disse o erudito. — O que isso tudo significa?
— Nada que seja comum, pode ter certeza — disse a sombra. — Mas você não é uma pessoa comum e eu, como sabe, segui seus passos desde a infância. Assim que você me achou experiente o bastante para me lançar ao mundo por minha conta, segui meu caminho. Tem sido incomensurável meu êxito. Mas senti certa vontade de vê-lo mais uma vez antes de você morrer — o que, suponho, vai acontecer — e quis ver este país novamente. Você sabe como a gente ama a terra natal. Sei que você possui outra sombra. Devo alguma coisa a qualquer dos dois? Tenha a bondade de dizer.
— Bem, então é mesmo você? — disse o erudito. — Ora, isso é o que há de mais extraordinário! Nunca pensei que a sombra de alguém pudesse voltar em forma humana.
— Apenas me diga o quanto devo — disse a sombra —, porque não gosto de ficar em dívida com ninguém.
— Como pode falar assim? — disse o estudioso. — Que dívida poderia haver? Sinta-se perfeitamente livre. Estou tremendamente satisfeito por saber de sua boa sorte! Sente-se, meu velho amigo, e conte-me um pouco a respeito de tudo o que aconteceu e do que você viu naquela casa do outro lado da rua, em frente a nós, no país quente.
— Sim, vou contar-lhe tudo — disse a sombra, enquanto sentava. — Mas você deve prometer que, se me encontrar em algum lugar, não dirá a ninguém que eu fui sua sombra. Pretendo ficar noivo, pois posso com facilidade sustentar uma família.
— Não se preocupe — disse o erudito —, não vou contar a ninguém quem você é na realidade. Dou-lhe minha palavra. Prometo, e o que tem valor num homem é sua palavra.
— E o que tem valor numa palavra é sua… sombra — disse a sombra, pois não conseguia expressar-se de outro modo.
Era mesmo impressionante o quanto a sombra adquirira de humano, toda vestida de preto, com o mais fino tecido, sapatos de verniz e um chapéu de pasta que podia ser pressionado até a copa ficar na altura da aba, para não mencionar o que já sabemos — aquelas peles, aquela corrente de ouro, e os anéis de diamante. A sombra estava realmente bem-vestida, e era isso que fazia com que parecesse humana.
— Agora vou contar-lhe — disse a sombra, pisando com seus sapatos de verniz no braço da sombra nova do erudito, deitada a seus pés feito um cachorro. Isso era arrogância, talvez, ou pode ser que ela estivesse tentando fazer a sombra nova saber o seu lugar.
A sombra no chão permaneceu em silêncio e imóvel, ouvindo atentamente, para aprender como ficar livre e se tornar senhora de si.
— Sabe quem morava na casa do outro lado da rua, em frente a nós? — perguntou a antiga sombra. — Era a mais graciosa das criaturas — era a Poesia em pessoa. Morei lá três semanas, e foi como se tivesse morado três mil anos, lendo tudo que já foi escrito. Posso dizer — e é verdade! — que vi tudo e sei tudo.
— A Poesia! — exclamou o erudito. — Para estar segura, ela costuma viver como eremita nas grandes cidades. A Poesia! Sim, eu mesmo a vi, por um breve momento, mas meus olhos estavam pesados de sono. Estava de pé na sacada e, em volta dela, uma auréola brilhava como uma de nossas auroras boreais. Conte! Conte! Você estava na sacada. Você entrou pela porta, e aí…
— Aí dei com a ante-sala — disse a sombra. — Era a sala para a qual você ficava olhando de lá do outro lado da rua. Não tinha nenhuma vela por lá, e a sala ficava na penumbra. Mas a outra porta estava aberta para uma série de corredores e salões de iluminação ofuscante. Esse resplendor teria me matado caso eu me aventurasse até a sala em que estava a donzela, mas fui cauteloso, fiquei no meu canto.
— E aí o que foi que viu, meu velho amigo? — perguntou o erudito.
— Vi tudo e vou contar tudo a você, mas, não é que eu seja orgulhoso, mas como sou um homem livre e instruído, para não mencionar minha alta posição e considerável fortuna, gostaria que não me chamasse de seu velho amigo.
— Desculpe! — disse o erudito. — É um velho hábito, difícil de mudar. Você está com toda a razão, meu caro senhor, e vou me lembrar. Mas agora, meu caro senhor, conte-me tudo o que viu.
— Tudo? — disse a sombra. — Pois eu vi tudo e sei tudo.
— Como eram os cômodos lá de dentro? — perguntou o erudito — Como mata virgem? Como templo sagrado? Eram os cômodos feito céu estrelado visto de alguma distante montanha?
— Tudo estava lá — disse a sombra. — Não cheguei a entrar. Fiquei na ante-sala escura, mas num lugar que era perfeito. Vi tudo e sei tudo. Estive na antecâmara da corte da Poesia.
— Mas o que você viu? Os deuses da Antiguidade? Os heróis de eras passadas? Sílfides e elfos dançando?
— Eu estava lá, estou lhe dizendo, e você deveria entender que vi tudo o que havia para ser visto. Se estivesse no meu lugar durante esse período encantado, você se tornaria um ser superior ao homem; eu, que era só uma sombra, avancei até a condição de homem. Além disso, aprendi a compreender meu eu interior, o que nasceu em mim, e a relação entre mim e a Poesia. Pois é, quando eu estava com você, não pensava nessas coisas, mas você deve se lembrar de como eu me expandia maravilhosamente a cada alvorecer e anoitecer. E, ao luar, eu quase parecia mais real que você. Na época não compreendia a mim mesmo, mas naquela ante-sala vim a conhecer minha verdadeira natureza. Eu era um homem! Saí completamente mudado. No entanto você não estava mais no país quente. Sendo eu já um homem, envergonhei-me ao me ver daquela forma. Faltavam-me sapatos, roupas, e todo o verniz que faz um homem brilhar.
“Fui me esconder; isso é segredo, e você não deve contar em nenhum de seus livros. Fui me esconder sob as saias de uma mulher. Ela pouco sabia o que escondia. Apenas à noite aventurei-me a sair. Percorri as ruas ao luar e me espichava pelos muros. É uma forma agradável de alongar as costas. Acima e abaixo, espiei dentro das mais altas janelas, de salões e de mansardas. Vi onde ninguém pode ver. Vi o que ninguém poderia, ou deveria, ver. Considerando tudo, é um mundo vil. Eu não gostaria de ser humano se isso não fosse considerado como algo sofisticado. Vi os mais incríveis comportamentos em meio a homens e mulheres, pais e mães, e a essas `gracinhas’ de crianças. Vi o que ninguém conhece mas gostaria de conhecer, e todas essas baixezas se repetiam de porta em porta. Se pusesse num noticiário todas as perversidades, indignidades e intrigas que descobri, ninguém leria outro jornal a não ser esse, em todo o universo. Mas que inimigos arranjaria!! Preferi tirar partido de minha clarividência e, por intermédio de carta pessoal, dei a conhecer às pessoas que sabia de suas faltas. Onde quer que eu passasse, vivia-se em sobressaltos terríveis; era detestado como a morte mas, pela frente, mimavam-me, faziam festa, me cumulavam de magníficos presentes e honras. Os acadêmicos me escolheram como um dos seus, os alfaiates me vestiam em troca de nada, os fornecedores me davam o que tinham de melhor para me calar a respeito de suas fraudes; os financistas me enchiam de ouro; as mulheres diziam que não era possível imaginar um homem mais bonito que eu. Eu me deixava levar; assim é que me tornei o personagem que você está vendo. Vou deixá-lo agora, para ir tratar das minhas coisas. Até logo. Aqui está meu cartão. Moro do lado em que bate o sol; quando chove, dá para me encontrar sempre em casa.
A sombra foi embora.
— Extraordinário! — exclamou o erudito, e ficou absorto em suas reflexões sobre essa estranha aventura.
Dias e anos se passaram. Então, a sombra reapareceu.
— Como vai indo? — perguntou ela.
— Ai de mim — disse o erudito —, continuo a escrever sobre o Verdadeiro, o Bem e o Belo, mas ninguém gosta de ler sobre essas coisas. Sinto-me bem desanimado, pois eu as levo profundamente a sério.
— Eu não — disse a sombra. — Estou engordando, como convém. Você não sabe como é o mundo; daí sua saúde prejudicada. Você devia viajar. Estou para fazer uma viagem neste verão. Vai comigo? Eu gostaria de ter companhia na viagem. Quer ir como minha sombra? Seria um grande prazer ter você por perto, e pagarei todas as despesas.
— Não, isso é um pouco demais — disse o erudito.
— Depende da maneira como se encara — disse a sombra. — Fará um bem enorme a você, viajar. Vai ser minha sombra? A viagem não lhe custará nada.
— Isso já foi longe demais! — disse o erudito.?— Bem, assim é o mundo — falou a sombra — e desse jeito continuará
sendo. — E dali se retirou.
O homem culto não estava nada bem. Mágoa e confusão o atormentavam, e o que tinha a dizer a respeito do que é bom, verdadeiro e belo despertava na maioria das pessoas mais ou menos o que as rosas despertam numa vaca. Acabou adoecendo.
— Você está mesmo parecendo uma sombra — diziam as pessoas, e ele tremia ante esse pensamento.
— Você precisa visitar uma estação de águas — disse a sombra, que viera vê-lo de novo. — Não há dúvida disso. Vou levar você, em nome da velha amizade. Vou pagar a viagem, e você poderá escrever sobre ela, assim como dar o melhor de si para me divertir no caminho. Também preciso ir a uma estação de águas, pois minha barba não está crescendo como devia. É um tipo de doença também, e não dá para ficar bem sem barba. Então, seja razoável e aceite minha proposta. Viajemos como amigos!
Assim, a caminho se puseram. A sombra passara a ser o patrão; e o patrão, a sombra. Ficaram juntos em carruagem, a cavalo e a pé, lado a lado, diante ou atrás um do outro, dependendo de onde o sol batia. A sombra se empenhava em ficar no lugar do patrão, e o erudito não dava muita importância, pois tinha um coração inocente, além de ser mais que afável e amistoso.
Certo dia, disse para a sombra:
— Como somos agora companheiros de viagem e crescemos juntos, que tal se nos chamássemos pelos prenomes, do jeito que bons companheiros devem fazer? É bem mais íntimo.
— É uma idéia esplêndida! — disse a sombra, que passara a ser o verdadeiro patrão. — O que está dizendo é muito franco e amigável. Serei igualmente amigável e franco com você. Como erudito, está perfeitamente a par de quão estranha é a natureza do homem. Alguns homens não suportam tocar em papel velho. Sentem-se mal. Outros se encolhem
ao ouvir uma unha arranhar uma vidraça. De minha parte, incomoda-me exatamente do mesmo modo ouvir você me chamar por meu nome de batismo. Eu me sinto espezinhado na terra, como eu era em minha primeira condição. Compreenda. É uma questão de sensibilidade, não de orgulho. Não posso deixar você me chamar por meu nome de batismo, mas ficarei satisfeito de chamá-lo pelo seu, como solução conciliatória.
A partir de então, a sombra passou a chamar seu patrão de outrora pelo nome de batismo.
“É passar dos limites”, pensou o erudito, “eu ter que chamá-lo pelo sobrenome, enquanto ele me chama pelo prenome!” Mas ele tinha que agüentar.
Finalmente chegaram à estação de águas. Entre as numerosas pessoas estava uma graciosa princesa. A doença dela era ver as coisas com muita clareza, o que pode se tornar bastante incômodo. Por exemplo, ela imediatamente viu que o recém-chegado era um tipo de pessoa bem diferente das outras.
— Dizem que está aqui para fazer a barba crescer. Mas eu vejo a verdadeira razão. Não consegue projetar sombra.
A curiosidade dela fora despertada e, durante o passeio, dirigiu-se ao estranho diretamente. Sendo filha de rei, não precisava fazer cerimônia; portanto, disse a ele sem rodeios:
— Seu problema é que não consegue projetar sombra.
— Vossa Alteza Real deve ter melhorado bastante — replicou a sombra. — Sei que sua doença é ver claramente demais, mas está melhorando. Acontece que tenho mesmo uma sombra nada corriqueira. Vê aquela figura que sempre me acompanha? Outras pessoas têm uma sombra comum, mas eu não gosto do que é comum a todos. Assim como, muitas vezes, possibilitamos que nossos criados usem em suas librés tecidos melhores do que os que nós usamos, também eu fiz minha sombra ser toda vestida como homem. Ora, veja que até a equipei com uma sombra de si mesma. Sai caro, garanto-lhe, mas gosto de ter algo fora do comum.
“Nossa!”, pensou a Princesa, “posso mesmo estar curada? Aqui é a mais importante estação de águas do mundo e, ultimamente, a água apresenta maravilhosos poderes medicinais. Mas não vou embora justamente quando o lugar está ficando divertido. Estou gostando desse estrangeiro. Só espero que a barba dele não cresça, pois aí terá que nos deixar.”
À noite, a Princesa dançou com a sombra no grande salão de baile. Ela era leve, mas ele era ainda mais. Nunca dançara com um parceiro assim. Contou- lhe de que país vinha, e ele o conhecia bem. Estivera lá, mas na ausência dela. Olhara para dentro de todas as janelas, altas ou baixas. Vira isto, vira aquilo. Portanto, podia responder à Princesa e insinuar coisas que a deixavam pasma. Estava convencida de que ele só podia ser o homem mais sábio do mundo. Seu conhecimento a impressionou tão profundamente que, enquanto dançavam, apaixonou-se por ele. Dava para a sombra perceber, pois os olhos dela se fixavam nele de modo cada vez mais penetrante. Dançaram outra vez, e ela quase lhe disse que o amava, mas era melhor não se precipitar. Tinha que pensar em seu país, seu trono e nas muitas pessoas sobre as quais reinaria.
“É um homem brilhante”, disse a si mesma, “e isso é uma boa coisa. Dança de modo encantador, e isso é bom também. Mas será que seu conhecimento vai além do superficial? Isso tem idêntica importância; portanto, devo examiná-lo bem.”
Com tato, começou a fazer as mais difíceis perguntas, que ela mesma não conseguiria responder. A sombra fez uma careta.
— Não consegue responder? — disse a Princesa.?— Eu já sabia tudo isso na minha infância — disse a sombra. — Ora, creio
que minha sombra, que está ali perto da porta, pode responder a você.
— Sua sombra! — disse a Princesa. — Isso seria mesmo impressionante!
— Não sei dizer ao certo — disse a sombra —, mas estou inclinado a achar que sim, porque ela me seguiu de perto e me ouviu durante tantos anos. É, estou inclinado a acreditar que sim. Mas Vossa Alteza Real deve me permitir contar-lhe que ela se orgulha de passar por gente; portanto, para que ela se disponha a responder suas perguntas, deve ser tratada como se fosse humana.
— Gosto disso! — disse a Princesa.
Então ela foi até o erudito, na soleira da porta, e falou com ele sobre o sol e a lua, sobre gente, o que são por dentro e o que parecem ser na superfície. Ele respondeu bem, com sabedoria.
“Que homem ele deve ser, para ter uma sombra tão sábia!”, pensou ela. “Será uma bênção para meu povo e para meu país se eu o escolher para consorte. É o que vou fazer!”
A Princesa e a sombra chegaram a um entendimento, mas ninguém deveria saber a respeito até que ela voltasse para seu reino.
— Ninguém. Nem mesmo minha sombra! — disse a sombra. E tinha sua razão particular para isso.
Finalmente chegaram ao país que a Princesa governava quando estava em casa.
— Escute, meu bom amigo — disse a sombra ao erudito —, sou agora o mais feliz e o mais forte possível; por isso, vou fazer algo especialíssimo por você. Você vai morar comigo em meu palácio, viajar comigo na minha carruagem real, e receber cem mil dólares por ano. No entanto, deve deixar que todos o considerem uma sombra. Não deve em momento algum dizer que é um homem e, uma vez por ano, enquanto eu estiver sentado na sacada ao sol, deve deitar a meus pés como fazem as sombras. Pois digo-lhe que vou me casar com a Princesa, e o casamento se fará esta noite mesmo.
— Não! Isso está passando dos limites! — disse o erudito. — Não vou, não farei isso. Seria trair o país inteiro e a Princesa também. Vou contar-lhes tudo: que eu sou o homem e você, a sombra, meramente vestida como homem.
— Ninguém acreditaria disse a sombra. — Seja razoável, ou vou chamar a guarda.
— Vou direto à Princesa — disse o erudito.
— Mas eu vou primeiro — disse a sombra —, e você vai para a prisão. E para a prisão ele foi, pois os guardas obedeciam aquele que, sabiam, estava prestes a se casar com a Princesa.
— Ora, você está tremendo — disse a Princesa, quando a sombra entrou no quarto dela. — Que aconteceu? Você não pode adoecer esta noite, logo quando estamos em via de nos casar.
— Acabo de passar pela mais terrível experiência que poderia acontecer a qualquer um — disse a sombra. — Imagine só! É claro que a pobre cabeça de uma sombra não agüenta muita coisa. Mas imagine! Minha sombra enlouqueceu. Ela acha que é um homem e — imagine! — acha que eu sou sua sombra.
— Que terrível! — disse a Princesa. — Espero que esteja trancafiada.
— Ah, claro. Receio que nunca se recupere.
— Pobre sombra — disse a Princesa. — Ela é muito infeliz. Seria um ato de caridade aliviá-la do pouco de vida que lhe resta. E, depois de pensar cuidadosamente, minha opinião é que será necessário colocá-la fora do caminho.
— Isso é, com certeza, difícil, pois ela foi uma leal servidora — disse a sombra, e deu um jeito de soluçar.
— Você tem uma nobre alma — disse a Princesa.
A cidade inteira estava brilhantemente iluminada aquela noite. Os canhões troaram e os soldados apresentaram armas. Era dessa categoria o casamento! A Princesa e a sombra foram até a sacada para se mostrarem e serem aclamados, várias vezes.
O erudito não ouviu nada disso, pois já tinham dado um fim nele.
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